No último artigo, tratei das feridas abertas no processo democrático brasileiro. A democracia, tão celebrada como a voz do povo, muitas vezes se revela uma ilusão, especialmente em um país onde o medo e a violência rondam cada eleição. Neste novo texto, quero expandir essa reflexão e fazer uma comparação entre a nossa realidade e a dos Estados Unidos. Embora os sistemas eleitorais dos dois países sejam diferentes, ambos compartilham um problema em comum: o poder avassalador do capital, que frequentemente distorce a vontade popular.
Darcy Ribeiro dizia que as estruturas de poder no Brasil têm raízes profundas, moldadas por uma hierarquia que perpetua privilégios para poucos e exclusão para muitos. E esse cenário se agrava durante as eleições, quando o dinheiro, com sua capacidade de influenciar, invade o espaço da política e define os rumos de nossa democracia. A recente Operação Eleições 2024, que desmascarou esquemas de compra de votos e abuso de poder econômico, expôs mais uma vez o quanto o capital ainda controla o destino dos votos. Em Roraima, a Polícia Federal desmantelou um esquema vergonhoso de compra de votos, revelando que, para alguns, a democracia é apenas uma moeda de troca.
Mas o Brasil não está sozinho nessa encruzilhada. Nos Estados Unidos, onde o processo eleitoral é pintado com cores de uma “democracia madura”, a realidade é igualmente dura. O dinheiro circula com ainda mais sofisticação. Como apontou uma análise recente sobre o declínio das eleições americanas, o processo eleitoral por lá está profundamente marcado pelas influências de grandes corporações e bilionários, que, com suas doações milionárias, asseguram que seus interesses sejam mantidos acima das necessidades do povo. Nessas condições, os cidadãos comuns se tornam meros espectadores de um jogo onde o vencedor já foi escolhido nos bastidores, e a escolha popular é apenas um ritual vazio.
O peso da compra de votos e o valor da democracia
Aqui no Brasil, a compra de votos é uma prática comum em muitas regiões, especialmente nas mais pobres. A cada nova eleição, ouvimos relatos de eleitores que vendem seu voto por valores irrisórios, seja cinquenta reais ou uma promessa de favor. Recentemente, no Maranhão, um eleitor confessou ter vendido seu voto sob ameaças de violência. É triste, mas essa é a realidade de muitos brasileiros que, em situações de vulnerabilidade, veem o voto como uma moeda de troca, e não como um direito democrático. A Justiça Eleitoral até realiza operações e, em alguns casos, cassa mandatos, mas a prática persiste, alimentando um ciclo vicioso que enfraquece a democracia e reforça a desigualdade.
Nos Estados Unidos, a compra de influência ocorre de forma mais indireta, mas é igualmente perniciosa. Grandes corporações e bilionários financiam campanhas eleitorais, e nomes como Elon Musk não hesitam em usar sua fortuna para influenciar as decisões políticas. Embora não haja a troca direta de votos por dinheiro, como ocorre aqui, o processo é igualmente prejudicial, pois os interesses desses financiadores acabam pesando mais do que as necessidades da população em geral. O eleitor comum, que deposita seu voto com esperança de mudança, vê suas prioridades relegadas a um segundo plano enquanto as corporações e os poderosos ditam os rumos do país.
A Realidade do jogo político e o futuro da democracia
Eu me pergunto constantemente: até onde a democracia pode resistir a esse poder do capital? Clarice Lispector dizia que “o que me tranquiliza é que tudo o que existe, existe com uma precisão absoluta”. Mas como acreditar na precisão de um sistema democrático onde o dinheiro influencia tanto? O sociólogo Gilberto Freyre, ao analisar a sociedade brasileira, apontou que ainda vivemos sob a sombra de uma estrutura colonialista, onde o poder se concentra nas mãos de poucos. E nas eleições, isso fica evidente: enquanto alguns controlam os destinos políticos, a maioria assiste, impotente, ao desenrolar de um jogo já viciado.
Nos Estados Unidos, o cenário é diferente, mas o resultado é o mesmo. A democracia, lá também, parece mais um espetáculo do que um processo real de escolha. A influência do capital é tamanha que transforma a liberdade de escolha em uma simples formalidade. Nietzsche diria que a verdade é muitas vezes moldada pelas forças dominantes, e eu não poderia concordar mais. Na política, essa verdade é manipulada a ponto de distorcer a própria essência da democracia – o governo do povo, pelo povo e para o povo – que se torna, assim, um ideal distante.
Para onde vamos?
Essas reflexões me levam a um conjunto de perguntas que gostaria de compartilhar com você, leitor: até onde nossas escolhas são realmente livres? Será que a democracia pode sobreviver à influência do capital? E o que precisamos mudar para impedir que esse ciclo continue a se repetir, seja no Brasil, seja nos Estados Unidos?
É urgente que façamos algo para limitar o poder do dinheiro nas eleições e capacitar o eleitor com educação política de qualidade. Afinal, se permitirmos que o dinheiro continue ditando as regras, a democracia será cada vez mais um teatro de aparências, onde as escolhas já foram feitas antes mesmo de chegarmos às urnas.
Espero que este artigo desperte em você uma inquietação, um desejo de questionar e entender o verdadeiro valor do seu voto. Porque, enquanto aceitarmos o domínio do capital sobre as eleições, continuaremos presos a uma promessa de liberdade que nunca se concretiza.