O enigma das “Crianças do Planalto”: 25 anos depois, caso segue sem respostas - O POTI

O enigma das “Crianças do Planalto”: 25 anos depois, caso segue sem respostas

Por Arthur Barbalho

Na semana em que foi comemorado o Dia Internacional das Pessoas Desaparecidas, O POTI, traz uma reportagem especial sobre os 25 anos do desaparecimento das “Crianças do Planalto”

(Foto: Divulgação/Polícia Civil do RN)

O bairro do Planalto havia sido criado há poucos meses, no então ano de 1998, quando Moisés Alves da Silva, de apenas 1 ano e 7 meses, foi levado misteriosamente de dentro de sua própria casa. A criança dormia dentro de uma rede sobre a cama dos pais quando foi tirada da residência.

“O meu marido acordou para pegar ele para dar comida, e ele não estava mais na rede. Deixaram só a roupinha dele”, relatou, à época, dona Francisca Silva do Nascimento Lins, mãe de Moisés. Era o início de um dos casos mais emblemáticos da história da crônica policial potiguar, que registraria ainda outros quatro desaparecimentos de crianças na mesma região. E 25 anos depois, o caso das “Crianças do Planalto” permanece sem solução.

O desaparecimento de Moisés foi o primeiro de uma onda de crimes com características bastante semelhantes. Em janeiro de 1999, Joseane Pereira dos Santos, de 8 anos, foi raptada da casa de uma vizinha. Um ano depois, em janeiro de 2000, foi a vez de Yuri Tomé Ribeiro ser retirado de casa; ele tinha apenas 2 anos. Já em abril do mesmo ano, o pequeno Gilson Enedino da Silva, também com 2 anos, desapareceu sem deixar rastros. Em dezembro de 2001, Marília da Silva Gomes, que também tinha 2 anos, se tornou a última vítima dessa série de sequestros não (ou talvez mal) explicados. Em comum, a circunstância perturbadora da maioria dos casos: as crianças dormiam quando foram retiradas de dentro de casa, sem que qualquer testemunha tenha visto algo de anormal na região.

Envelhecimento fotográfico de Moisés Alves da Silva.

A reportagem do POTI conversou com especialistas que acompanharam o caso na época, e que a pedido, optaram por não ter seus nomes citados na reportagem. Uma destas pessoas relatou à reportagem o cenário da região no final da década de 1990. “Era uma localidade muito, mas muito pobre, de famílias extremamente carentes. E como todo lugar onde há extrema pobreza, há carência de serviços, desde os mais básicos, até do ponto de vista da segurança. Se hoje em dia, câmeras de segurança são raras na região, imagine isso há mais de 20 anos. Era o cenário perfeito para este tipo de crime”, destacou uma das fontes.

E é neste contexto em que a ausência do estado é a principal marca, que os crimes ocorreram quase que em série, compartilhando várias características em comum. “Com exceção do caso de Joseane que, foi tirada acordada da casa de uma vizinha da família, as circunstâncias dos outros quatro crimes é a mesma: o desaparecimento acontece por volta das 3h da manhã, com a família dormindo, e sem que qualquer rastro, seja da criança ou dos supostos sequestradores”, destaca a fonte.

Envelhecimento fotográfico de Joseane Pereira dos Santos.

Desde o início dos desaparecimentos, mais de 10 delegados passaram pelo caso.

No dia 3 de dezembro de 2012, 14 anos depois do primeiro desaparecimento, foi realizada na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte (ALRN) uma reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), do Tráfico de Pessoas do Senado Federal. Durante o encontro, a divulgação de um novo fato aqueceu novamente as investigações, de acordo com o que foi publicado pela instituição.

“A divulgação de um fato novo deu aos familiares esperança de rever as crianças sequestradas, ou pelo menos saber o que aconteceu em novembro de 1998 a dezembro de 2001, quando foram tiradas de suas casas. O representante do Ministério Público, o promotor de Justiça Juvino Pereira informou que no inquérito policial aparecem os nomes de um casal suspeito de ter levado as crianças. Segundo a investigação, o americano Jefrey Alan Preuuz e a brasileira Arlete Cury Mahs residiam no Planalto na época dos desaparecimentos e são apontados como responsáveis pelo sequestro, alegando que levariam as crianças para adoção.”

Sobre o casal Arlete e Jefrey

Arlete Cury Mahs. Foto: Reprodução.

A atualização mais recente até em então tem pelo menos 10 anos, quando a Delegacia de Capturas (Decap) assumiu a investigação, sob responsabilidade do delegado Ben-Hur Medeiros. À época, o caso ganhava mais uma vez repercussão, em virtude de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) aberta pelo Congresso Nacional para investigar casos de crianças desaparecidas em todo o país, com presidência da senadora Vanessa Grazziotin, do Amazonas. Uma audiência pública foi realizada na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte (ALRN) na ocasião, com a presença do então senador potiguar Paulo Davim, vice-presidente da CPI. No encontro, a Delegacia Geral de Polícia, na época coordenada pelo delegado Fábio Rogério Silva, anunciou a mudança de responsabilidade da investigação e garantiu “novo fôlego” no processo de apuração.

Mas o que mudou de 2013 para até hoje? A reportagem procurou a direção da Polícia Civil para apurar como está o caso. Em nota, a PC informou por meio da Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), unidade que hoje realiza investigações de pessoas desaparecidas em Natal, que “o caso envolvendo o desaparecimento de cinco crianças no bairro do Planalto, na Zona Oeste de Natal, foi arquivado. O fato aconteceu entre os anos de 1998 e 2001”.

Com o fim das investigações, a grande questão que fica do caso é a seguinte: quais foram as motivações? Segundo as fontes que atuaram na investigação e na cobertura à época, em suma, havia duas linhas que nortearam o caso. A primeira seria o rapto com vistas no tráfico de órgãos. A segunda, por sua vez, seria o rapto para adoção por famílias fora do país. Há, porém, outras possibilidades, embora todas no campo da especulação. “As características dos crimes são parecidas demais, então o ‘rapto’ por si só não se sustenta. Não foi uma ‘abdução’, as crianças literalmente sumiram. Em alguns casos, os relatos dão conta de que ficou apenas as roupas da criança. Como é que se desaparece e deixa só uma peça de roupa? Há muito ainda por esclarecer nesta história. É um caso esquisito”, afirma a fonte ouvida pela reportagem, que reforça que para a polícia, tais características apontam mais para o rapto com vistas em adoção. “Hoje em dia seria mais simples, porque com os celulares, você consegue fazer o rastreio de praticamente qualquer pessoa. Mas na época, não havia nada”, completou.

Dados de desaparecidos carecem de precisão

Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Rio Grande do Norte (Sesed), em 2020, foi criado o Núcleo de Investigação Sobre Pessoas Desaparecidas (NIPD), com foco em abrir procedimentos e apurar os desaparecimentos, com ênfase em Natal e região metropolitana. No primeiro semestre de 2023, foram registrados 303 desaparecimentos. No mesmo período do ano passado, foram 281 registros.

A pasta informou ainda que está desenvolvendo um sistema que visa dar maior transparência para estes dados. “O sistema vai cruzar dados de pessoas que são achadas com indícios de desaparecimento, como por exemplo, idosos ou crianças que são achados e encaminhados sem identificação para alguma instituição de acolhimento, com os dados de desaparecimentos registrados na Polícia Civil. É um sistema pioneiro no país”, explicou Gesaias Ciriaco, especialista em segurança pública da Autoridade Estadual Central de Desaparecidos, organismo ligado à Sesed. Ainda de acordo com ele, já há um procedimento estabelecido para registro de casos de desaparecimentos no RN, que passará a ser informatizado quando a nova ferramenta passar a ser utilizada. “A expectativa é que ainda no mês agosto o serviço comece a ser incorporado ao organograma da segurança pública do estado. Com o sistema poderemos mensurar em tempo real o perfil dos desaparecimentos, quais os dias da semana em que estes casos mais ocorreram, o que hoje só é possível se fazer manualmente”, destacou ele.

Sobre o caso das crianças do Planalto, todavia, o especialista fez uma ressalva. “Esses casos não entrariam no sistema hoje imediatamente, uma vez que há um passivo imenso de boletins de ocorrência, que não entraram no Sinesp PPE (Procedimentos Policiais Eletrônicos), implementado em 2019 pela Ministério da Justiça e Segurança Pública. Nada impede, porém, que os pais façam um novo registro de ocorrência esses casos sejam registrados”, explicou Gesaias.

O Caso das Crianças do Planalto permanece como um dos enigmas mais perturbadores da história policial do Rio Grande do Norte. Vinte e cinco anos após o início dessa série de desaparecimentos inexplicáveis, a comunidade ainda busca respostas, a esperança perdura e o mistério permanece, desafiando todos os esforços para ser desvendado.