Os desafios do esporte feminino: o que pensam as potiguares Antônia Silva, Magnólia Figueiredo e Virna Dias - O POTI

Os desafios do esporte feminino: o que pensam as potiguares Antônia Silva, Magnólia Figueiredo e Virna Dias

Por Larissa Cavalcante e Hanna Araújo

Em entrevistas exclusivas, três das atletas potiguares mais reconhecidas nacionalmente compartilharam experiências sobre o início de suas carreiras, os desafios enfrentados e as diferenças entre homens e mulheres no esporte

Antônia Silva (futebol), Magnólia Figueiredo (atletismo), Virna Dias (vôlei), atletas potiguares.

O protagonismo feminino no esporte está em constante crescimento, à medida que mais mulheres se destacam em suas respectivas modalidades. No entanto, esse aumento de visibilidade também tem colocado em evidência as numerosas barreiras que elas enfrentam ao longo de suas carreiras, com destaque para a persistente desigualdade de gênero que permeia o cenário esportivo.

Uma pesquisa qualitativa realizada pelo Instituto de Pesquisa DataSenado em colaboração com o Observatório da Mulher contra a Violência (OMV) afirma que, de acordo com as entrevistadas,  as mulheres ainda são percebidas como mais frágeis e com menor potencial de desempenho em comparação aos atletas masculinos, resultando em uma desvalorização significativa.

A inserção das mulheres no mundo esportivo é um processo relativamente recente, com o futebol feminino ingressando em competições internacionais somente a partir de 1996, e o boxe feminino sendo aceito nas Olimpíadas apenas em 2012. No Brasil, um decreto que vigorou de 1941 a 1979 proibia as mulheres de praticarem esportes, alegando que isso era “inadequado à sua natureza”. Durante a ditadura militar, foram listadas modalidades proibidas, incluindo futebol, rúgbi e artes marciais.

Muitos argumentam que as disparidades de gênero no esporte ocorrem devido à suposta falta de interesse do público pelas competições femininas. No entanto, surge a questão: as categorias femininas realmente recebem menos atenção dos espectadores ou há falta de divulgação adequada?

Em entrevista ao POTI, a jogadora de futebol Antônia e as renomadas ex-atletas olímpicas Magnólia Figueiredo e Virna Dias, mulheres potiguares com sólidas trajetórias no mundo esportivo, compartilharam suas perspectivas sobre os desafios enfrentados em suas carreiras. Elas ofereceram insights sobre a realidade das desigualdades de gênero em suas respectivas modalidades esportivas: futebol, atletismo e vôlei. Acompanhe.

O POTI: Como foi seu primeiro contato com o esporte?

ANTÔNIA: Meu primeiro contato com a bola veio através do meu pai, que jogava bola e tinha um time de futebol. Ele me levava pros jogos e assim, aos poucos, eu fui me apaixonando pelo futebol. 

Em 2023, Antônia representou o Rio Grande do Norte na seleção brasileira feminina de futebol. Foto: Reprodução/Instagram.

MAGNÓLIA: Meu primeiro contato com o esporte se deu através das aulas de educação física na escola, em 1975, bem como a prática do judô e natação dos meus irmãos em clube esportivo.

VIRNA: Comecei a jogar no colégio Instituto Maria Auxiliadora. Em um certo dia, eu estava jogando queimada com meus colegas e foi aí onde a treinadora do time de vôlei do colégio me viu e me chamou para integrar a equipe. Posteriormente fui jogar com o Breno Cabral, na seleção do Rio Grande do Norte.

O POTI: Quais foram os principais desafios da sua carreira?

Para Antônia, o preconceito com o futebol feminino e a falta de apoio, foram pontos determinantes, bem como a distância da família. O tema familiar também é citado por Virna, que saiu cedo da casa dos pais para se dedicar ao esporte. Já para Magnólia, os desafios estruturais, financeiros e o preconceito foram pontos determinantes.

ANTÔNIA: Primeiro foi sobre o apoio no futebol feminino, que era bem pouco, isso dificultava muito, tinha a parte do preconceito também, que era bem grande. Estar longe da minha família também era um obstáculo pessoal bem grande. 

VIRNA: Com certeza um dos principais desafios da minha carreira foi convencer os meus pais a me deixarem sair de Natal, na época com 14 anos era algo complicado e eu entendo completamente a preocupação deles, mas graças a Deus deu tudo certo e foi um aprendizado incrível para toda a minha carreira.

MAGNÓLIA: Falta de instalação esportiva adequada (pista de atletismo com piso sintético), o que me distanciava da minha família por meses, pela necessidade de treinar e competir em outras cidades do Brasil para não interromper o planejamento dos treinos, e assim, obter melhores resultados. Após 22 anos de atuação como atleta, de convocação para 3 edições consecutivas para os Jogos Olímpicos, tivemos a nossa 1ª Pista de Atletismo sintética, instalada no Caic Esportivo Geração 2000 – Lagoa Nova, inaugurada em agosto de 1998. O aporte financeiro para garantir as estadias e deslocamentos para os trenos e competições em outras cidades, além da aquisição de material específico do atletismo. Conseguir conciliar a vida pessoal/familiar com a vida profissional (professora de educação física da rede municipal e estadual). E os atos xenofóbicos – quando o critério de convocação para eventos internacionais se limitava às classificações em eventos nacionais (1ª e 2ª), mesmo tendo conquistado vagas em provas individuais, era substituída por atletas do eixo sul e sudeste (1978 a 1986). A partir de 1987, o critério que já era adotado internacionalmente – índice técnico, passou a vigorar, possibilitando que a convocação para esses eventos fosse feita pelos “próprios atletas”, e não mais pelos dirigentes.

Magnólia representou o Brasil nos Jogos Olímpicos de Verão de 1988 e 1996 e também em quatro Campeonatos Mundiais. Foto: Arquivo pessoal.

O POTI: Acredita que há diferenças entre as dificuldades encontradas no esporte feminino e masculino?

No futebol, esporte mais popular do Brasil, Antônia acredita que as dificuldades para as mulheres são infinitamente maiores. Opinião compartilhada por Magnólia, no atletismo.

ANTÔNIA: Sem dúvida alguma, são duas coisas totalmente diferentes e é normal que cada um tenha suas dificuldades. Mas é claro que no futebol feminino, essas dificuldades são infinitamente maiores.  

MAGNÓLIA: Acredito que iniciar e construir “algo diferenciado” passa-se por dificuldades, não sendo diferente no esporte, no entanto, as dificuldades ao esporte feminino são acentuadas, confirmadas na teoria e na prática. Embora hoje já tenhamos algumas políticas afirmativas que visam a equidade, e, consequentemente a igualdade, suponho que ainda levaremos algum tempo para essa conquista conquistarmos, considerando a solidez do machismo estrutural, normalizado por décadas.

O POTI: Você acredita que existe uma procura maior do público feminino ou masculino para a modalidade?

Para Virna, o cenário é diferente, visto que, no Brasil, o vôlei é mais popular na modalidade feminina do que na masculina. De acordo com ela, a remuneração para as atletas é superior.

VIRNA: O público do voleibol é muito família, você vê gente de todas as idades e gêneros e isso é a parte mais gostosa desse esporte, que é acessível a todos. Até por isso eu acredito que a procura é igual tanto no masculino quanto no feminino. O incentivo e as oportunidades são iguais, mesmo com a diferença salarial. O salário do feminino é maior. Mas eu acho que o que deveria ser maior é o incentivo dentro de nossas escolas. É necessário criar essa cultura esportiva desde pequenininho, para que as novas gerações já cresçam com pensamento de serem profissionais e campeões.

O POTI: O que pode ser feito para ajudar a impulsionar e dar maior visibilidade ao esporte feminino?

ANTÔNIA: Precisamos de mais visibilidade, que os canais cedam mais espaço para o futebol feminino, e isso no dia a dia, não só em anos de competições mundiais. O futebol já mostrou grande crescimento e o quanto as pessoas se interessam mais por isso. Agora é dar continuidade a tudo isso que vem acontecendo, para que o futebol feminino cresça cada vez mais.

MAGNÓLIA: Pensar o esporte feminino. Há necessidade de mais políticas afirmativas; de campanhas conceituais assertivas e permanentes, utilizando todas as formas de comunicação; de promoção através de calendário de execução de eventos de formação e esportivos específicos para o gênero, junto às escolas, aos clubes, às associações e federações esportivas, que possibilitem outros “desdobramentos” no sentido de fortalecer o movimento esportivo para elas. O incentivo à pesquisa, feiras esportivas com exposição de vários produtos, projeção de vídeos, de filmes e visitas aos eventos esportivos possam dar visibilidade e despertar interesse. Não se adere ao que não e nem se conhece, daí a importância de apresentar o esporte, bem como referências femininas para o público fim.

O POTI: Qual a dica que você pode dar para as meninas que estão batalhando na carreira?

VIRNA: O principal é nunca desistir dos seus sonhos. Viver do esporte é sempre muito desafiador, a gente cresce com a cabeça diferente. Alguns vão ter mais facilidades que os outros mas o importante é não desistir, ter perseverança, vontade, respeito e humildade. Colocar sempre o sonho como prioridade e batalhar muito para realizá-lo.

Virna foi medalhista nos Jogos Olímpicos de Sydney, Jogos Olímpicos de Atlanta, e recebeu o título de melhor jogadora do mundo em 1999. Foto: Arquivo pessoal.