“Um desafio motivador": ONG potiguar colabora com a ressocialização de internos da Penitenciária de Alcaçuz - O POTI

“Um desafio motivador”: ONG potiguar colabora com a ressocialização de internos da Penitenciária de Alcaçuz

Penitenciária de Alcaçuz é uma das mais importantes do estado. Foto: Cedida.

Doze mil e sessenta e sete. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em 2023, esta é a população carcerária do Rio Grande do Norte. Deste número, a maior parte não têm acesso a uma condição de vida digna ou perspectivas para o seu futuro em liberdade. 

Um dado do Departamento de Pesquisas Judiciárias do Conselho Nacional de Justiça revela que 42,5% dos prisioneiros brasileiros que conseguem a liberdade, voltam a ser presos menos de 5 anos depois. A realidade escancara a necessidade de políticas de ressocialização na administração penitenciária brasileira. 

Quem ajudaria a tentar mudar a realidade de pessoas consideradas perdidas pela maior parte da sociedade e até mesmo pelas entidades públicas?

Acredite, há quem queira fazer a diferença. A ONG ReforAmar tem expandido horizontes e se apresentado como uma possibilidade de futuro para internos da Penitenciária de Alcaçuz, um dos principais complexos prisionais do estado por meio do projeto ReforAmar Capacita.

Novas oportunidades

A penitenciária de Alcaçuz foi palco de uma das maiores barbáries já vistas nos presídios brasileiros. Através da televisão e das redes sociais, o país parou para assistir a rebelião que estourou em 14 de janeiro de 2017 e resultou no assassinato de 26 internos, muito deles, decapitados. 

As cenas de horror marcaram o nome do presídio e reforçaram a imagem violenta que é colocada sobre os internos, mesmo aqueles que têm bom comportamento.

Dentro desse contexto tão marcante, a ReforAmar acredita na possibilidade de transformar um espaço prisional em algo mais. Com a ajuda da ONG, a cela se tornou sala de aula e os detentos se transformaram em alunos aplicados. 

Os engenheiros Barion de Oliveira e Fernanda Silmara em aula com os internos de Alcaçuz. Foto: Cedida.

Atualmente, 40 internos participam de uma capacitação para produção e instalação de piso intertravado. Eles têm acesso a aulas teóricas e práticas que contemplam desde noções básicas de edificação, passando pela seleção dos materiais, até o processo de cura do concreto utilizado na produção dos bloquetes pré-moldados.  O curso integra um projeto envolvendo a Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (SEAP) e o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN).

Toda a capacitação recebida pelos internos e também a produção dos pisos serão convertidas em melhorias para a penitenciária. O piso será instalado por eles na área externa da unidade, melhorando as instalações e promovendo espaços mais dignos para a convivência. Além disso, cada um dos participantes receberá um certificado, atestando a sua capacitação e aumentando as chances futuras no mercado de trabalho que os aguarda após a soltura. 

As aulas são ministradas por engenheiros e técnicos de edificações, como Barion de Oliveira, que atua como voluntário na ReforAmar. De acordo com o instrutor, a experiência tem sido extremamente positiva e motivadora, especialmente pela possibilidade de ressocialização dos seus alunos.

“Um desafio motivador. O fato de os alunos serem internos traz mais motivação, pois se há a possibilidade de algum deles se beneficiar com as aulas aqui ministradas, isso faz do projeto um sucesso. A ressocialização começa com interação em sala de aula, uma boa conversa, respeito, disciplina e aprendizagem, tenho certeza que tudo isso influencia na vida de cada um presente. Acho determinante para uma sociedade melhor e é um dos caminhos essenciais para diminuição da violência nas ruas”.

Para além do aprendizado, os internos contemplados pelo projeto também recebem bônus de remissão, ou seja, têm a pena em regime fechado abreviada. Este é um dos benefícios mencionados por Rogério, que está participando da capacitação.

“A gente tem vários benefícios, além do conhecimento, nossa rotina com as aulas é muito melhor e ainda ganhamos remissão”.

Egnaldo, que também tem participado das aulas, fala sobre as suas expectativas.

“Obtemos novos conhecimentos, se abrem novas portas lá fora, as aulas nos ocupam a mente e vamos sair daqui com uma profissão”. 

Fernanda Silmara, engenheira civil e fundadora da ONG ReforAmar. Foto: Cedida.

De acordo com Fernanda Silmara, engenheira e fundadora da ReforAmar, as aulas serão um diferencial que deve beneficiar o também o mercado da construção civil.

“Eles estão tanto aprendendo a teoria, a questão da importância do piso intertravado, como está o desenvolvimento do piso intertravado no mercado, que as pessoas estão utilizando muito agora, e também como produzir e a fase de instalação, então eles vão ter toda essa carga. E isso também é muito bom para a construção civil, porque a gente sente essa necessidade de ter pessoas capacitadas”.

O professor, Barion, demonstra ter orgulho da sua turma e elogia o desempenho geral.

“Até o momento, a dificuldade tem sido apenas de logística, os detentos seguem a rotina do presídio, que tem outras inúmeras atividades ao longo do dia, então por vezes há atrasos, mas nada que prejudique as aulas. [Os detentos] são dedicados e colaborativos, se saíram bem nas provas e mostram a todo momento que querem dar o melhor. A palavra é gratidão, todos fazem questão de agradecer, todos os dias, ficam empolgados e fazem muitas perguntas sobre as próximas etapas do curso”. 

ReforAmar e a corrente do bem

A Organização Não-Governamental ReforAmar nasceu de um sonho, talvez por isso, seja tão empenhada em realizar novos sonhos e espalhar esperanças no Rio Grande do Norte. A sua fundadora, Fernanda Silmara, vivia em uma casa taipa e tijolos brancos, com goteiras, mau cheiro e muita insegurança, até que o um dia, seu tio reformou o imóvel. A mudança não foi apenas na estrutura do local, ela impactou diretamente a vida da menina, que decidiu cursar engenharia civil e criar um projeto para promover transformações positivas na vida de outras pessoas.

Desde 2018 a ONG reforma casas e instituições de pessoas e grupos em situação de vulnerabilidade social. Além disso, fomenta a cultura local, a sustentabilidade e o voluntariado. A ONG conta atualmente com capacitações, reformas e um bazar, que recebe como doação e oferece móveis e eletrodomésticos a valores acessíveis para a população. Todo o dinheiro arrecadado é reinvestido na ONG. 

A realização das ações é feita com a ajuda de muitos voluntários, que fazem questão de botar a mão na massa, agir e trabalhar em prol do bem estar daqueles que precisam. Barion de Oliveira comenta sobre como o seu trabalho voluntário faz bem não apenas para aqueles que recebem a ajuda, mas para ele próprio: 

“Sinto que estou fazendo a coisa certa, sendo uma ferramenta da sociedade, sabendo que minha atitude pode desencadear uma corrente de boas ações. Creio que o maior benefício de se voluntariar é a divulgação do bem, mostrar para outras pessoas que você se importa, isso vai atrair mais pessoas que pensam igual. Quando um grupo de voluntários se reúne, são capazes de conceber a mudança na comunidade, na vida de outras pessoas e nas nossas próprias vidas. Agradeço a ONG ReforAmar por me dar essa oportunidade”. 

Essa “corrente de boas ações” citada pelo professor já faz parte da vida dos internos de Alcaçuz, e pode ser observada na fala de um dos seus alunos.

“Pretendo contribuir também quando sair daqui, quero ser voluntário de alguma coisa e ajudar as pessoas”.

Gean, interno da Penitenciária de Alcaçuz e aluno da ReforAmar.

Alunos da Penitenciária de Alcaçuz em aula prática. Foto: Cedida.

Edição: Larissa Cavalcante.