Entra ano, sai ano, entra prefeito, sai prefeito, e o problema com os alagamentos nas ruas e avenidas de Natal continua sem solução. Exemplo disso são as avenidas Hermes da Fonseca, próximo à AABB; Nevaldo Rocha, antiga Bernardo Vieira; a Avenida Dr. João Medeiros Filho (em frente ao Norte Shopping e em frente a Delegacia de Plantão da Zona Norte); a Avenida Paulistana (na altura da Lagoa de Captação); ruas como José Gonçalves, por trás da UFRN; entre tantas outras que poderiam ser citadas aqui.
Para entender os motivos que causam os alagamentos da cidade, O POTI conversou com Sérgio Macêdo, supervisor do Núcleo de Monitoramento Ambiental (NMA) do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente (Idema). De acordo com o especialista, os fatores que mais contribuem para os alagamentos em Natal são os seguintes:
- bacias fechadas, que resultam no aprisionamento das águas;
- calçadas, ruas e avenidas pavimentadas desprovidas de sistemas de drenagem;
- sistemas de drenagem antigos;
- lagoas de captação com sistema de bombeamento sem capacidade de adução suficiente;
- entupimento de bocas-de-lobo por resíduos sólidos.
O empresário Paulo Dias é uma das pessoas que sofre ano após ano com o mesmo alagamento. Morador da rua Monte Sinai, em Capim Macio, há 18 anos, ele já teve sua casa invadida pelas águas diversas vezes. Segundo o morador, nas chuvas que caíram em Natal em novembro de 2023 a água chegou a encher a piscina que fica na parte da frente de sua casa e ainda alagou todos os cômodos.
“Eu pensei que a água ia parar ali mesmo, ia encher a piscina e, no máximo, chegar na varanda. Mas, quando percebemos, a água já estava tomando conta da casa toda. O volume chegou a mais de dois palmos“, diz ele.
E não para por aí. As chuvas que caíram na capital nos últimos dias 16 e 17 de maio, acumulando mais de 100 milímetros de precipitação em cerca de 12 horas, foram suficientes para alagar a entrada da casa mais uma vez.
“Situação está sob controle”, diz Álvaro Dias sobre chuvas das últimas horas
Ainda de acordo com Paulo, muitos de seus vizinhos deixam sacos de areia em suas portas de forma preventiva, para criar barreiras nos portões e tentar evitar que as águas desses frequentes alagamentos invadam as residências. A reportagem dO POTI percorreu alguns metros e de deparou com a cena exatamente como o morador descreveu.
Já Thalita Vianna, que mora em um condomínio na Avenida Jaguarari, afirma que não precisa de uma chuva forte para ficar “presa em casa”.
“Qualquer chuvinha que dá, alaga. Por causa disso, nenhum motorista de aplicativo quer vir aqui. Quando eles aceitam a corrida e vêm o endereço dizem que não tem como passar por causa da água”.
Lagoas de captação e áreas suscetíveis à alagamentos e inundações em Natal:
Ao todo, conforme a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo, Natal possui 56 lagoas de captação de águas pluviais, das quais 25 estão localizadas na zona Sul, 21 na zona Norte, oito na zona Oeste e duas na zona Leste. As áreas sucetíveis à alagamentos e inundações em Natal, também foram mapeadas e identificadas no mapa de “Áreas Especiais com Potencial de Risco Natural – Alagamento e inundação fluvial”.
Essas informações estão disponível na Plataforma de Repositório de Geoinformações da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo (Semurb), que tem como objetivo principal fornecer dados geográficos permitindo que o público interessado tenha livre acesso aos dados produzidos ou coletados pela pasta. O documento embasa o trabalho da Secretaria de Infraestrutura de Natal (Seinfra) e demais órgãos envolvidas nas questões referentes a riscos naturais.
Vai alagar de novo?
Os dados da Empresa de Pesquisa Agropecuária do Rio Grande do Norte (Emparn) apontam para um período chuvoso com precipitações acima da média, podendo atingir os 283,6 milímetros em todo o estado, entre os meses de junho e julho de 2024.
A população já sabe e os jornais noticiam recorrentemente os pontos de alagamento “tradicionais” da cidade. A pergunta que fica é: vai alagar de novo?
Para responder a questão, O POTI procurou a Secretaria de Infraestrutura de Natal (Seinfra) a fim de saber como está a preparação para o período. Segundo Carlson Gomes, responsável pela pasta, “os serviços são feitos dentro do orçamento da Operação tapa buracos, coordenado pelo departamento de Conservação da Seinfra”. Ele afirmou ainda que o município “não tem um orçamento específico para lidar com os alagamentos”.
Esses serviços aos quais o secretário se refere são o monitoramento de ligações clandestinas na rede de esgoto e as limpezas nas lagoas de captação e bocas de lobo. Ainda de acordo com Carlson, as regiões que mais sofrem com esses problemas são as zonas Norte e Oeste.
“Muito devido às condições de ruas sem pavimentação e drenagem e também por problemas já relatados com as chamadas ligações clandestinas feitas por moradores e comerciantes, que prejudicam bastante o dia a dia dessas vias e estações elevatórias das localidades”, explicou.
Qual seria a solução para o problema?
O cientista Ricardo Ojima, chefe do Departamento de Demografia e Ciências Atuariais (DDCA/UFRN), lembra que os problemas vão muito além de bocas-de-lobo e lagoas de captação, é necessário que o município se adapte verdadeiramente às mudanças climáticas.
“Embora boa parte das políticas públicas ou legislação em relação a essas necessidades de prevenção estejam se acumulando, na prática, os municípios ainda não incorporam essa política nas suas atividades de planejamento”, afirmou.
“Não se trata de necessariamente evitar 100% [os alagamentos], porque é muito difícil prever com toda precisão o nível que as coisas vão acontecer, mas ter estratégias de atuação, que devem considerar mecanismos para minimizar os efeitos negativos, sobretudo, para as vidas humanas”, continuou.
O professor questiona a incapacidade do município em manter funcionando os mecanismos existentes para driblar os frequentes alagamentos na cidade.
“Do ponto de vista de cidadão me deixa frustrado, principalmente, porque eu como cidadão que frequenta algumas partes da cidade, sei onde ela alaga e não vejo movimentações [do poder público] para se preparar para enfrentar. É admirável que as pessoas que estão nas posições de responsabilidade para avançar nessas pautas no poder público não consigam fazer nenhuma movimentação. Parece até que essas pessoas não moram na mesma cidade que a gente, porque de certo eles também enfrentam os mesmos problemas que nós no deslocamento diário”, desabafou.
Ainda na opinião de Ojima, discussões do Plano Diretor, principalmente das grandes cidades, devem levar em consideração as dimensões do ordenamento territorial, já que é algo que afeta muitas pessoas.
“As discussões do Plano Diretor de Natal foram feitas de uma maneira muito rápida. Elas [as discussões] poderiam ter sido feitas em regiões onde você tem potenciais problemas ambientais, como é a região da foz do rio Potengi. Deveriam ter analisado estudos acadêmicos/científicos que apontam para problemas. E quando você aumenta a quantidade de empreendimentos, você aumenta o nível de impermeabilização das regiões do entorno, e não necessariamente da própria localidade”, finalizou.
Natal na lista de cidades com risco de desastre ambiental
O último relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), publicado em março de 2022, concluiu que “se a temperatura continuar a subir 1,1ºC por ano o mundo deve enfrentar secas devastadoras, calor extremo e inundações recordes, ameaçando a segurança alimentar e os meios de subsistência de milhões de pessoas”. Desde 2008, inundações e tempestades catastróficas forçaram mais de 20 milhões de pessoas por ano a deixarem suas casas, afirma o relatório.
Em 2014, por exemplo, os temporais que caíram em Natal causaram um grande deslizamento no bairro de Mãe Luiza, onde cerca de 30 casas foram engolidas por uma cratera e outros 110 imóveis precisaram ser interditados.
Já uma nota técnica formulada em 2023 pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) mapeou 31 municípios no Rio Grande do Norte suscetíveis a deslizamentos de terra, alagamentos, enxurradas e inundações.
Estudo mostra que RN tem 31 municípios com risco de desastres ambientais; saiba quais são
A capital Natal faz parte da lista e, conforme a publicação, pode sofrer com três dos quatro eventos, deixando de passar por alagamentos para enfrentar inundações. Neste caso, 104.433 pessoas estão nas áreas de risco geo-hidrográfico, o que representa 13,9% da população que vive na cidade.
O estudo ainda ressalta que o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal, era a “oportunidade perfeita para o aperfeiçoamento da política pública de gestão de riscos e desastres”.
O executivo municipal chegou a inscrever 43 propostas e teve 26 aprovadas. Dessas, apenas uma é com foco em prevenção em desastres: a drenagem urbana sustentável na Arena das Dunas, que está em fase de preparação.
Outros quatro dos 26 projetos são voltados para o esgotamento sanitário, e três deles já estão em execução.
Edição: Larissa Cavalcante.