Por Larissa Cavalcante e Luan Conceição
Cachês atrasados somam R$ 12 milhões e artistas acumulam dívidas e frustrações
Imagine a situação: você participa de um edital ou chamamento público para prestar serviço em um determinado projeto, reúne toda a documentação necessária, desenvolve uma ideia interessante, contrata pessoas, paga figurino, maquiagem, equipe, dá o seu melhor em uma apresentação, leva alegria e entretenimento às pessoas da cidade, seu evento movimenta a economia e, no fim de tudo isso, você não recebe o seu pagamento. Pior ainda, não tem uma previsão de quando vai receber.
É essa a situação na qual se encontram os artistas da capital potiguar. Cantores, instrumentistas, artistas visuais, agentes culturais de forma geral estão enfrentando uma grave situação financeira devido ao não pagamento de cachês e fornecedores pela Prefeitura do Natal, por meio da Secretaria de Cultura / Fundação Cultural Capitania das Artes (Secult/Funcarte). Há relatos de pagamentos atrasados desde outubro de 2023. Como é o caso da cantora, compositora e instrumentista Cida Lobo.
“No meu caso, tenho cachê atrasado desde outubro do ano passado, referentes a diversos eventos, feiras, Natal em Natal, Carnaval…”, relatou a artista.
O problema apontado por Cida, tem origem na falta de repasse de verbas para a Secretaria de Cultura. Em uma reunião convocada pela categoria artística e realizada na tarde de ontem (6), no espaço cultural Bardallos, a vereadora Brisa Bracchi, presidente da Frente Parlamentar de Cultura, apontou a origem do transtorno.
“A fila de pagamento nesse momento está em R$ 23 milhões. A fila não anda há mais de quatro meses. Ou seja, são mais de quatro meses que a SEMAD, que é a Secretaria Municipal de Administração, onde fica o orçamento, não repassa recurso para a Funcarte. Isso é muito grave, porque a fila tá parada”, pontuou a vereadora.
Para os artistas, a sensação é calote e desvalorização.
“A parte artística foi realizada com excelência e, até agora, não foram pagos os cachês. Uma sensação de desprestígio total”, expõe o trombonista Gilberto Cabral, que ainda aguarda o pagamento pela participação no reveillón e no carnaval da cidade. Alessandro Saraiva, o risada, afirma que os artistas estão sendo vítimas de calote e faz um apelo: “Prefeito, pague os artistas. Mais respeito, por favor!”.
Segundo a produtora cultural Byanca Vanderlei, a própria Funcarte sugeriu que os artistas realizem mobilizações para chamar a atenção da gestão municipal.
“Essa mobilização está acontecendo porque os artistas estão indo individualmente procurar a Funcarte para saber desses pagamentos e a orientação vinda da própria Funcarte é que, se a classe não se organizar, não vai receber pagamento, porque a própria Funcarte não recebe a meses repasse da prefeitura”.
A falta de organização também é um problema encontrado pela classe artística. A produtora Carol Queiroz conta que o seu projeto nem ao menos foi incluído na lista de pagamento por causa de um erro interno da Fundação.
“Além do atraso que infelizmente já é recorrente em editais como Carnaval, São João e Natal em Natal, tivemos a surpresa de não estarmos na fila de pagamento depois de um erro interno e não abertura do processo. Acredito que essa situação está ocorrendo com outros artistas, que, apesar de terem cumprido todos os trâmites do processo do edital, realizado o show, prestado contas, ficam sem perspectiva de recebimento, para além do processo da fila de pagamento. Um total descaso com a classe artística em vários níveis, que não envolve apenas os artistas em si mas toda uma cadeia, de músicos, produtores, equipes de produção que fazem os shows acontecerem”,
Carol Queiroz, produtora cultural, ainda não teve o cachê de fevereiro de 2024 pago.
Sem data definida
Um outro grave problema apontado pela classe artística é a falta de um calendário de pagamentos. Os editais são abertos pela Fundação com diversos pontos que devem ser cumpridos pelos artistas e não há a especificação de uma data de pagamento. Dessa forma, não há como se falar em “atraso”, já que uma data não foi estabelecida.
“Nunca tem prazo pro pagamento. Isso é uma coisa a ser cobrada nos próximos editais que forem abertos. Precisamos de uma data limite para receber”, aponta Byanca Vanderlei.
O medo do “calote”
Ainda em sua fala na reunião de ontem (6), a vereadora Brisa enfatizou que acionou emergencialmente o Ministério Público, externou a sua preocupação sobre o fato de ser o último ano de mandato do prefeito Álvaro Dias e o temor em torno da possibilidade de a dívida não ser paga até o final do ano.
“Ontem saímos da Funcarte muito preocupados, entendendo que é o ultimo ano de um mandato, e a gente percebe que o que ele quer [Álvaro Dias] é deixar a dívida ficar cada vez maior e depois correr o risco de, de fato dar um ‘calote’, nessa fila toda. A gente, enquanto Frente Parlamentar de Cultura, acionou emergencialmente o Ministério Público diante dessa situação que pode caracterizar improbidade administrativa. Uma prefeitura não pode deixar de repassar o recurso para uma Secretaria de Cultura como tem feito nos últimos tempos”.
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Ato na Prefeitura
Além da abertura de um processo no Ministério Público pela Frente Parlamentar de Cultura, a classe artística deliberou pela realização de um ato de protesto, marcado para o dia 13 de junho, próxima quinta-feira, às 10h30 da manhã, em frente a Prefeitura Municipal de Natal.
A equipe dO POTI tentou entrar em contato com a Secult/Funcarte, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria.