Por Naryelle Keyse e Larissa Cavalcante
A adoção, uma atitude que transcende laços sanguíneos, é uma jornada de coragem, paciência e, acima de tudo, de amor. É um testemunho de como o coração humano pode se expandir para abraçar não apenas seus próprios, mas também aqueles que precisam de um lar, de um abraço caloroso e de um lugar para chamar de seu.
Ao mesmo tempo, entregar um filho para adoção é um ato de coragem e um profundo senso de realidade que muitas mães enfrentam em circunstâncias difíceis. Para algumas, essa decisão é guiada por um desejo genuíno de oferecer ao seu filho uma vida melhor, repleta de oportunidades que, por razões diversas, elas não podem proporcionar. Em situações diferentes, crianças são retiradas de ambientes abusivos e tem a possibilidade de ganhar uma segunda chance.
Quando a adoção é concretizada existe uma história extraordinária sendo escrita. No Dia das Crianças, é impossível não refletir sobre as vidas que foram transformadas e as famílias que foram unidas através deste ato de amor incondicional.
Como a história de Alexandre Carvalho e Paulo Dantas, um casal que encontrou muito amor e alegria na adoção da adorável dupla Isaac e Clara. Para eles, a formação da família tão sonhada foi a melhor coisa que lhes aconteceu.
AO POTI, Alexandre se derreteu e falou sobre como a chegada dos filhos o fez enxergar a vida e o dia a dia com outros olhos.
“Sem dúvidas, a melhor coisa que me aconteceu foi ter filhos. Eu escolhi ser pai. Com Isaac e Clara, descobri que ser pai é ser responsável, carinhoso e presente. É ter medo de morrer, se preocupar com o futuro deles. É cumprir um ciclo e querer viver. Viver por alguém e não para si, se sacrificar pelo bem e apenas para fazer esse alguém sorrir. É ter a certeza que sua vida já valeu a pena e nada foi em vão. Tê-los ao meu lado é a certeza de nunca mais estar sozinho e de sempre ter motivos para voltar para casa”.
Mas para chegar ao que vivem hoje, a família precisou enfrentar todo um processo envolvendo profissionais do direito, da assistência social e a própria Justiça. Alexandre brinca que tudo na vida dele acontece de uma forma diferente e, nesse caso, também.
Ele conta que a adoção sempre foi um sonho e à medida que o relacionamento com Paulo se solidificou tomaram a decisão de entrar na fila de espera, e naquele momento, de acordo com Alexandre, começou a gestação que durou 13 meses.
E para ele, a lembrança mais linda que guarda em sua memória não é momento em que recebeu a ligação de que eles estavam aptos a receber a crianças, mas o “nascimento” delas, no dia 11 de fevereiro de 2019. Foi nessa data que a família se reuniu pela primeira vez.
Foram dez dias de agonia e ansiedade até receber a guarda provisória e poder levar os pequenos para casa, o que aconteceu no dia 21 daquele mesmo mês. E desde então a família não se desgruda mais.
Alexandre, no entanto, nos lembra que muito ainda precisa ser feito para conscientizar a população sobre o tema para que sejam quebrados preconceitos e tabus. Além de ter um trabalho especial com profissionais para que a entrega voluntária pela mãe biológica das crianças seja feita de forma tranquila e correta.
Entrega Legal para adoção
A Entrega Legal, respaldada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, assegura que mulheres grávidas ou no pós-parto, que expressem o desejo de oferecer seus filhos para adoção, sejam encaminhadas à Justiça da Infância e Juventude sem qualquer constrangimento.
Art. 8 o É assegurado a todas as mulheres o acesso aos programas e às políticas de saúde da mulher e de planejamento reprodutivo e, às gestantes, nutrição adequada, atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério e atendimento pré-natal, perinatal e pós-natal integral no âmbito do Sistema Único de Saúde. (Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016)
Algumas cidades ou estados possuem os programas com nomes distintos, mas com a mesma finalidade. No Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN), programa Atitude Legal, vem desempenhando um trabalho de suporte e formação de profissionais de toda a rede que atende mulheres desde o pré-natal até o nascimento das crianças. Segundo o juiz titular da 1ª Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Natal, José Dantas, o programa prepara profissionais para atender mulheres nesse momento delicado, de forma humanizada e dentro dos trâmites da lei.
“Vale salientar que o objetivo do Programa Atitude Legal não é a entrega da criança para a adoção e sim o acolhimento e atendimento da mulher, sem constrangimento, de maneira humanizada para que esta possa fazer sua escolha de maneira consciente e segura. Além disso, também se objetiva evitar que ocorram irregularidades e crimes, tais como: adoções ilegais, infanticídio, abandono e tráfico de bebês”, esclarece o magistrado.
O que é crime e o que é tabu?
Um ponto fundamental a ser destacado é que a entrega de um filho para adoção em instituições legais, como o fórum, o conselho tutelar ou uma delegacia, não configura um crime. É na verdade um grande tabu. Entregar um filho para adoção é um direito garantido por lei para pais ou responsáveis que se encontram em situações difíceis e não têm condições de criar a criança. Chamada de Entrega Legal, a medida visa assegurar o bem-estar do menor, garantindo que ele tenha acesso a um ambiente seguro e acolhedor.
O que configura um crime e não é aceitável legalmente é a chamada “adoção à brasileira.” Essa prática, que já foi comum no passado, consistia em entregar diretamente a criança para outra família, sem o devido acompanhamento e aprovação das autoridades competentes.
Para que a entrega de uma criança para adoção seja legal e responsável, é necessário seguir um conjunto de procedimentos rigorosos. A família que receberá a criança deve ser previamente avaliada por psicólogos e assistentes sociais, garantindo que esteja apta a criar o menor de maneira adequada. Isso é essencial para proteger os direitos e o bem-estar da criança.
A regulamentação estrita da adoção visa principalmente evitar a venda de crianças. Qualquer tipo de benefício financeiro oferecido à mãe, avó ou aos pais que estão abrindo mão da criança em prol de outra família é ilegal e inaceitável perante a lei. O objetivo é garantir que a adoção seja um processo baseado no interesse genuíno de proporcionar um ambiente seguro e amoroso para a criança, em vez de um ato motivado por benefícios financeiros.
Como o processo se inicia?
As crianças são acolhidas em lares de assistência, anteriormente conhecidos como orfanatos, por meio de dois principais cenários: a Entrega Legal e situações familiares delicadas. Entre os problemas mais comuns, estão os casos de maus-tratos, excesso de punições, abuso sexual, dependência de drogas e alcoolismo. É importante pontuar que a extrema pobreza em si não é o fator determinante para o acolhimento, mas pode criar condições de vulnerabilidade que justificam o abrigo temporário da criança, permitindo que a família seja apoiada na busca por soluções, como a obtenção de emprego.
“Hoje as nossas crianças chegam nas instituições de acolhimento na maioria das vezes por problemas familiares. A Entrega Legal hoje, ela existe, ela é presente, ela tem cobertura legal dessa mulher que entrega seu filho para adoção, mas é algo que ainda precisa ser muito, muito, muito debatido e esclarecido para a nossa sociedade”, revela Franklândia Fonseca, presidente do Grupo de Apoio à Adoção (ABRACE), de Parnamirim.
Por que existem mais pretendentes disponíveis do que crianças adotadas?
De acordo com o site do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), no 11 de outubro de 2023 o Brasil tinha 32.813 crianças e adolescentes em casas de acolhimento e apenas 4.449 disponíveis para adoção.
No Rio Grande do Norte a situação não é diferente. Das 257 crianças acolhidas, apenas 48 estão aptas a serem adotadas.
Um dos motivos para a situação é que a demora do processo. O sistema judiciário tem o dever de receber a criança o oferecer o direito à convivência familiar e comunitária por meio da adoção. Há um prazo de seis meses para que o estado realize a avaliação da família, e destitua o poder familiar, se for o caso, para que o menor se torne apto a ser adotado. Mas na prática, a situação é diferente. Franklândia Fonseca descreve a situação.
Quando a gente fala de prazos no universo da adoção, é algo bastante dolorido. Se essa criança não é destituída, ela também não pode para ser encaminhada para adoção. E na maioria das vezes acontece o descumprimento desse prazo pela ausência de equipe técnica suficiente nas varas, para conduzir o trâmite. Isso termina causando um grande transtorno para essa criança que chega no acolhimento e aí passa pela avaliação ainda, pela perspectiva de retorno para sua família biológica. E quando isso de fato não acontece, se inicia os novos prazos para destituir.
Mariana Villanova, voluntária do Projeto Acalanto, Grupo de Apoio à adoção de Natal, a realidade na capital não é diferente. Os trâmites judiciais demoram muito mais que seis meses, podendo ocasionar a permanência de uma criança por anos no sistema de acolhimento.
É preciso saber que nem todas as crianças/adolescentes que estão em instituições de acolhimento estão disponíveis para adoção. Algumas ainda tem vínculo com a família biológica, de modo que ainda se tenta uma reorganização daquela família para que receba de volta a criança/adolescente. Por outro lado, em casos que não é possível essa restruturação, no processo de destituição do poder familiar, tenta-se localizar algum parente que possa ser o cuidador daquela criança, e somente por último, é que essa criança/adolescente, sem vínculo jurídico com a família biológica, é inserida no Sistema Nacional da Adoção – SNA para ser adotada por uma família. Todo esse procedimento judicial, leva um certo tempo e por muitas vezes, essa criança/adolescente acaba ficando por anos no acolhimento. Evidente que não é o fator isolado, mas sabemos que também contribui para essa realidade.
Por essas razões muitas crianças acabam chegando a maior idade e não conseguem uma família para chamar de sua. Nesses casos, o que pode acontecer é o apadrinhamento, quando famílias interessadas podem levar as crianças e adolescentes para um final de semana de diversão e passeios. Contudo, isso também precisa estar de acordo com as normas impostas pela Justiça.
Quem pode adotar?
Qualquer pessoa com mais de 18 anos, seja casada, solteira ou em união estável, pode adotar uma criança ou adolescente, desde que seja pelo menos 16 anos mais velha que o menor a ser adotado. No entanto, além da idade, é essencial possuir idoneidade moral e motivação adequada para a adoção. A lei exige que os pretendentes frequentem um curso preparatório para adoção, onde receberão informações e passarão por avaliações para determinar sua aptidão.
A decisão de adotar deve ser bem pensada, uma vez que a adoção concede ao adotado a mesma condição de filho dos pais adotivos. Para iniciar o processo, os interessados devem procurar a Vara da Infância e da Juventude no Fórum, não sendo necessário contratar um advogado. Lá, eles serão orientados a preencher um requerimento específico para a habilitação à adoção, fornecendo documentos que comprovem sua idoneidade moral. Além disso, deverão passar por uma avaliação técnica para garantir que atendem aos requisitos legais.
Uma vez habilitados, seus nomes serão incluídos no cadastro da comarca e no Cadastro Nacional de Adoção (CNA) mantido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A ordem de inscrição no cadastro influenciará a prioridade para adoção, juntamente com o “perfil” da criança ou adolescente que pretendem adotar. Quanto menos exigente for o perfil, mais rápida pode ser a adoção.