O afroempreendedorismo é uma força crescente na economia brasileira, trazendo não apenas ganhos financeiros, mas também reconhecimento e visibilidade para uma parcela importante e muitas vezes preterida da população. As profissionais que atuam como trancistas, muitas vezes mulheres pretas, têm se destacado como protagonistas em seus negócios, oferecendo serviços de beleza especializados na produção de tranças e penteados afros.
Em Natal, empreendimentos como o estúdio Africanizando Tranças, de Maria Heloisy, têm sido muito procurados especialmente durante o verão e carnaval. De acordo com a trancista Maria Heloisy, empreendedora e proprietária do espaço, o momento é, ao mesmo tempo, promissor e desafiador:
“A demanda é grande, tem muita procura pra semana que antecede o carnaval. O lado positivo é que nessas datas comemorativas com alta procura, consigo fazer mais dinheiro, estoque de material e pagar os boletos. E o lado negativo é que não consigo atender todo mundo que me procura, pois eu trabalho sozinha e fico doidinha querendo atender todos, além de ser muito, muito cansativo mesmo”.
E para deixar todas essas clientes tão lindas, as trancistas dedicam muito tempo e esforço, em uma maratona para concluir os atendimentos. De acordo com Dayane Neves, trancista e empresária-proprietária do Studio Daychella, em Macaíba, a energia fica no trabalho e o carnaval acaba em segundo plano:
“São escolhas, vou ser sincera. Falando da parte à frente da empresa, foi você que fundou, você que criou, não é só fazer a trança, né? Tem o administrativo, tem o financeiro. E aí conciliar isso e querer pular um bloquinho ou curtir uma praia, confesso que a gente olha assim e só quer descansar”.
Já Maria Heloisy aposta em uma folia mais tranquila, para conseguir cumprir a agenda cheia: “Eu me divirto de uma forma mais leve pra não ficar mais cansada e conseguir atender no outro dia”.
Mas não é à toa que o serviço está tão popular e a demanda tão alta. Segundo o Instituto Beleza Natural, 70% das mulheres brasileiras possui cabelos cacheados ou crespos. As donas dessas lindas coroas e jubas são as que mais buscam os serviços, já que, além das tranças, existem também os dreads, apliques e twists, feitos com diferentes estilos, cores e tamanhos.
Uma série de fatores faz com que tantas brasileiras optem por trançar os cabelos, não só no carnaval, mas em qualquer época do ano. Praticidade, variedade de opções e melhora na autoestima são alguns dos benefícios, como menciona a jornalista Sammara Bezerra, que escolheu trançar o cabelo para o carnaval.
“Por que ser a mesma todos os dias? Trançar meu cabelo é lembrar a mim mesma das inúmeras versões que eu posso ter. A autoestima nem se fala, me senti muito mais bonita e confiante de trança, além de dar muita praticidade também, porque foram muitos dias de folia”, conta.
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Ancestralidade e empreendedorismo se somam e mudam a vida de jovens negras
Iniciar um novo empreendimento não é nada fácil, especialmente quando tantas pessoas desacreditam da sua capacidade, como é o caso das mulheres negras no Brasil. Mas as mulheres que atuam como trancistas venceram as barreira do machismo e racismo, garantindo o seu espaço no mercado do trabalho e empreendedorismo.
Maria Heloisy conta que empreender foi essencial para a sua história.
“Quando comecei a trançar, eu era jovem aprendiz e já morava aqui em Natal. Sou do interior de Taipu e vim pra cá trabalhar e estudar e como eu precisava de mais dinheiro, comecei a fazer nas minhas amigas e fui pegando gosto. Na pandemia, me aprofundei ainda mais em estudar as tranças, como fazer, e aí como eu tava desempregada, foi fluindo e tô até hoje no ramo”.
O relato aponta para uma característica muito recorrente nesse modelo de estabelecimento: as trabalhadoras envolvidas costumam ser jovens que encontraram nas tranças a oportunidade de construir um legado e alcanças uma maior estabilidade financeira. De acordo com Dayane, para além disso, o trabalho foi uma forma de se reconectar com a sua ancestralidade e agora, ela proporciona a mesma experiência às suas clientes:
“Hoje o que eu faço com as clientes quando eu tranço, foi o que eu fiz comigo, resgatar a minha ancestralidade, elevar minha autoestima, entender que meu cabelo não era um problema com a curvatura que ele tem, então acho que eu comecei a trançar profissionalmente quando eu fiz a minha primeira trança, quando eu realmente decidi me resgatar e a criar uma conexão com o meu eu verdadeiro e ancestral também, então acredito que eu comecei a trançar profissionalmente naquele dia”
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Ela enfatiza a importância de de apoiar o afroempreendedorismo no Brasil: “O empreendedorismo já tem seus desafios, e aí você entra com um produto afro, e aí você também tem a estética afro. Isso te coloca num lugar de que você tem que se esforçar o triplo para conseguir algo. Ajudar o afroempreendedorismo é essencial, quando a gente se junta, tudo fica um pouco mais leve. Eu remeto isso muito aos antepassados, infelizmente essa é a única analogia que consigo fazer. Os negros foram libertos porque eles se juntaram, os negros conseguiram liberdade porque eles estiveram juntos em uma luta de liberdade”.
Preconceito ainda é existente
Apesar de cada vez mais populares, as tranças ainda são alvo do preconceito, muito ligado ao racismo estrutural, que segue a desvalorizar práticas que são fruto do trabalho e da ancestralidade preta. Segundo Sammara Beatriz, as tranças que lhe proporcionam tanta autoestima e confiança, também lhe tiraram oportunidades: ” Eu tinha 15 anos quando tentei meu primeiro emprego. Passei em todas as fases da seleção, mas as minhas tranças foram um embate pra eu não assumir o emprego. Esse foi o episódio que mais me marcou, mas como esses já me aconteceram aos montes”, conta.
Ela ainda aponta que comentários inconvenientes também são constantes e acabam constrangendo mulheres de cabelos trançados:
“Falas do tipo ‘Isso dá pra lavar?’, ‘Nossa, eu gostava tanto do seu cabelo natura’, ‘Isso faz parte da sua fantasia?’ me afetam, porque não é parte da minha fantasia, mas uma reafirmação das tradições do povo negro, que contribuiu assertivamente para a cultura do carnaval que conhecemos hoje”.
Edição: Larissa Cavalcante.