Entenda o caso do resort no Chapadão da Praia da Pipa, que desagrada empresários, moradores e turistas - O POTI

Entenda o caso do resort no Chapadão da Praia da Pipa, que desagrada empresários, moradores e turistas

Manifestações de moradores e comerciantes da região da Praia da Pipa, no município de Tibau do Sul, chamaram a atenção de todo o Rio Grande do Norte e ganharam repercussão nacional. No centro do burburinho está a construção de um resort de alto padrão, que mal começou a ser erguido e já conta com um abaixo assinado contra a sua edificação.

Organizado pelo movimento #todospelochapadão, com mais cinco mil assinaturas contra a sua chegada (na data da publicação desta matéria), o Pipa Island Resort, condomínio da GAV Empreendimentos, pretende ocupar uma área de 22.000mt² próximo ao icônico Chapadão da Pipa, um dos mais famosos pontos turísticos do estado.

Todo o rebuliço ganhou maior proporção no mês de julho, quando a empresa começou a instalar tapumes no local para dar início às obras. Contudo, a relação entre a construtora e a prefeitura do município é bem mais antiga. Começou em 2022 quando ambas assinaram um Termo de Convênio e Cooperação, onde a GAV se comprometeu a reformar a conhecida Praça do Pescador, no centro de Pipa, e administrar o espaço por 10 anos.

GAV E PREFEITURA

A empresa realizou a obra na praça, que fica Avenida Baía dos Golfinhos, e entregou em junho deste ano. Nas redes sociais, o prefeito Valdenício Costa agradeceu:

“Quero agradecer ao grupo GAV Resorts, através do seu Diretor de Projetos e Legalização, Victor Flávio, ao Diretor de Engenharia, Marco Robin, e ao diretor da Ek Group, Juan Anzorena. Vocês foram essenciais para tornar este sonho realidade”.

Foto: Reprodução/Instagram.

O QUE DIZEM OS EMPRESÁRIOS, MORADORES E TURISTAS

Toda essa situação acendeu mais um alerta em moradores e comerciantes da região, que observam a chegada de grandes empreendimentos imobiliários no pequeno distrito formado por pouco mais de três mil habitantes e passa por recorrentes problemas em época de alta estação, como quedas de energia, falha no abastecimento de água e coleta de resíduos.

Para a veterinária Camila Iani, frequentadora assídua da praia da Pipa, a chegada de um empreendimento como esse tende a atrapalhar o funcionamento do distrito.

“Eu acredito que Pipa não vai suportar a questão de saneamento básico, lixo, movimento de carro. Vai atrapalhar também a paisagem. Um lugar tão bonito que vai ter um empreendimento tão desnecessário naquela localização”.

O Coletivo de Moradores da Praia da Pipa também está preocupado com o destino da captação de água dos telhados, com o abastecimento de água e de energia.

“A vila é pequena e não tem infraestrutura nem para suportar o que já existe. A população sabe que o empreendimento trará problemas tanto na questão de locomoção dos moradores e turistas, quanto na questão de eventuais esgotamentos de fossas”.

Uma comerciante local, que preferiu não se identificar, disse que:

“Os empregados da empresa simplesmente se instalaram na cidade, importunando turistas e moradores”.

O fato também foi comentado pela veterinária. Segundo ela, os funcionários da GAV “tomaram conta” da rua principal e tentam a todo custo vender um de seus apartamentos a todos que passam, chegando a oferecer prêmios e jantares apenas no intuito de prender a atenção do possível cliente.

“Eles ficam oferecendo incisivamente o empreendimento, é uma reunião longa. E eles oferecem prêmios, como jantares, para prender a atenção e fazer suas propostas”, contou ela.

Essa também é uma das reclamações do Coletivo de Moradores da Praia da Pipa:

“Infelizmente somos abordados constantemente. Tanto na rua, quanto na praia. Tanto a pé, quanto de carro”. 

De acordo com os moradores, a abordagem é sempre muito insistente e se tornou uma das principais reclamações dos turistas.

“Tem sido um desprazer encontrar com os vendedores do empreendimento em todos os lados na nossa cidade”.

E essas não são as únicas reclamações feitas sobre esse tópico. No Reclame Aqui, site que abriga reclamações contra empresas, são inúmeras as queixas acerca do empreendimento. Uma delas, registrada no dia no último dia cinco de agosto diz:

“Estou passando o final de semana na praia da Pipa-RN, onde essa empresa [GAV Empreendimentos] possui um local para vendas. Os consultores tomaram conta da principal rua da cidade e como se não fosse o bastante estão espalhados por todas as esquinas e em frente às pousadas e hotéis, abordando milhões de vezes para escutar a proposta deles. Ontem, dia 05/08/2023 eu e meu esposo fomos abordados e resolvemos ouvir a proposta que durou mais de 2h. Medidas precisam ser tomadas para evitar esse desconforto com os turistas”.

IMPACTO AMBIENTAL

E o fato de afastar os visitantes não é a única preocupação. A população teme pelo impacto ambiental e visual que a construção vai provocar no local. Contudo, o Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente (Idema) afirma que o condomínio será construído em área privada, que não ocupa Área de Preservação Permanente.

De acordo com a supervisora do Núcleo de Construção Civil do Idema, Adriana Castro, o projeto apresentado pela empresa está de acordo com as legislações ambientais vigentes nas esferas municipal, estadual e federal.

“Após análise [do projeto] foi constatada a viabilidade ambiental das propostas, concluindo que o empreendimento não ocupa Área de Preservação Permanente; possui Autorização de Supressão Vegetal para o Uso Alternativo do Solo; o partido urbanístico está em consonância com o Plano Diretor do Município de Tibau do Sul, Código Florestal e Planos de Manejo das Unidades de Conservação”.

Em nota enviada ao POTI, a GAV Empreendimentos reitera que “os procedimentos de licenciamento e alvará tramitaram por cerca de três anos, mediante aprofundados estudos e adequações, e atenderam todas as  exigências dos órgãos competentes”

A empresa ainda enfatiza que “o empreendimento Pipa Island Resort não será construído em Área de Preservação Ambiental, como tem sido equivocadamente veiculado, e sim em uma área privada e autorizada”.

Próximo à área onde será feita a construção há uma área de proteção que inclui uma faixa de 100mt a partir da borda das falésias (imagem abaixo), segundo o Código Florestal.

A preocupação dos moradores inclui, também, o risco de aumento de desabamentos das falésias por causa do peso e do movimento gravitacional na área próxima ao Chapadão, onde em 2017 o então prefeito determinou a proibição da circulação e permanência de veículos pesados por causa da “fragilidade geológica”.

Todavia, a atual gestão afirmou que a determinação aconteceu “sem subsídio técnico e sem o devido licenciamento legal do Idema”. Eles também argumentam que “nos autos dos processos de licenciamento não houve menção por parte do empreendedor em intenção em promover a circular veículos no Chapadão, tampouco há no projeto de implantação acesso direto entre o empreendimento e o chapadão”.

Porém, de acordo com o site do empreendimento, “o Pipa Island está localizado no Chapadão, que é um mirante situado em uma enorme falésia de tom avermelhado, de onde é possível”.

COMUNIDADE QUILOMBOLA

Há ainda reclamações por parte da comunidade quilombola que vive nas redondezas. Segundo Laelson Caetano, líder quilombola em Simbaúma (praia que faz parte da região que se convencionou a chamar de região da Praia da Pipa), o executivo municipal e o Idema não respeitaram a normativa 111 do INCRA,  que dispõe sobre processos de licenciamento ambiental de obras, atividades ou empreendimentos que impactem terras quilombolas.

Outra regra não respeitada pelos órgãos que liberaram as normas, de acordo com Laelson, foi a convenção 169 da OIT das Nações Unidas, que visa  “proteger os direitos dos povos tribais e garantir o respeito pela sua integridade”.

Acusada de não ouvir a população, a Prefeitura de Tibau do Sul disse que agiu de acordo com o Plano Diretor e Código de Obras Municipais para realizar ajustes significativos no Partido Urbanístico.

Segundo o executivo municipal, a ação resultou na redução no número de unidades a serem construídas, que saiu de 312 apartamentos para 246, e no aumento da metragem dos imóveis, de 25m² para 45m².

“A fim de proporcionar moradias mais espaçosas e confortáveis para os futuros moradores”, disse o município ao POTI.

Segundo eles, essas intervenções “exibiram o comprometimento da gestão na mitigação dos impactos urbanísticos e ambientais, levando em conta tanto as necessidades habitacionais da população quanto a preservação do meio ambiente”.

AUDIÊNCIA PÚBLICA

Depois de toda a polêmica, a prefeitura decidiu solicitar uma Audiência Pública para discutir a construção e “sanar” possíveis dúvidas acerca do empreendimento e seu impacto na Praia da Pipa. A audiência está acontecendo nesta segunda-feira (21), desde as 9h da manhã, na Câmara Municipal de Tibau do Sul. Porém, para participar era preciso enviar os questionamentos para um formulário online que ficou disponível até a última quinta-feira (10). O vídeo completo da audiência está disponível AQUI.

Na descrição do formulário para participar da audiência foi especificado que não seriam respondidas “perguntas endereçadas ao IDEMA, Ministério Público, GAV e qualquer outro órgão, seja público ou privado”.

Confira como deve ficar o condomínio: